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segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

SPA MARIA BONITA! Os dias seguintes...

Após o quinto dia eu não consigo precisar os acontecimentos. Nossos dias se tornaram muito parecidos. A angústia pelas pessoas que continuavam soterradas, a incerteza pelas pessoas seriamente feridas, o lamento pelos mortos... e a falta de comunicação com nossos familiares. Os telefones e a luz não iriam voltar. Fato! Diante das notícias que chegavam, ora distorcidas, ora confusas, tínhamos certeza de que a catástrofe tinha sido muito maior do que imaginávamos. Uma dessas notícias era de que a Austrália tinha acabado. Mas logo depois foi desmentida.
Na Quinta-feira não precisamos mais descer para ajudar. As ruas tinham sido tomadas pelos bombeiros, exército, policia militar e outras equipes de resgate. Nos restava continuar a rezar e tentar continuar o programa da melhor maneira possível. A água continuava racionada, mas também não foi um grande problema.
Uma das pessoas que mais contribuiram para manter o clima descontraído e a alegria no SPA foi o monitor Coelho. Com a falta de profissionais para dar continuidade as terapias, o Coelho recebeu carta branca para fazer diversas atividades com os hóspedes. Aula de dança criativa, alongamento, terapia do riso, contação de histórias, tudo era divertido com o Coelho. Ele foi um verdadeiro sucesso!
A nossa alimentação também não sofreu grandes abalos. O maior problema era a falta do liquidificador para bater o suco de luz, que foi cancelado. O dia de líquidos também ficou comprometido pelo mesmo motivo, mas eu confesso que gostei, pois pude tomar uma sopinha com pedaços de legumes deliciosa!
Ah! Preciso dizer que teve sopa de ervilha num determinado dia no almoço e eu, ao ver que uma amiga tinha deixado o prato pela metade acabei pedindo para tomar o resto. Eu não disse que ainda ia pegar esse hábito estranho?? Eca! Era a fome...
Outra coisa interessante é que nosso quarto acabou ganhando novas “ïrmãs”.  A Francine, que estava num quarto sozinha, acabou ficando com medo de dormir só (a falta de luz era assustadora a noite) e pediu para dormir conosco. E a Juliana, uma menina de 20 anos que estava no quarto ao lado, acabou se estressando com a companheira de quarto e também veio para o nosso quarto, agora praticamente um albergue da juventude. Eram três camas de solteiro e uma cama de casal. Mal tinha espaço para caminhar. Mas eu adorei!
Na sexta-feira, infelizmente, a Fátima e a Adriana (minhas queridas amigas e companheiras de quarto) resolveram ir embora. Ia sair uma van para o Rio com uma galera que não estava mais aguentando ficar no SPA. Essa galera, embora eu não queira me estender muito no assunto, tiveram seus motivos para se estressar com a administração do SPA e o próprio dono também teve seus motivos para os enviarem para o Rio. A Van desceu lotada e alguns hóspedes que tinham carro aproveitaram a caravana para acompanhar.  Só ficaram 7 hóspedes. Entre eles eu.  Chorei tanto na despedida... eu nunca imaginei que iria me apegar tanto a pessoas até então desconhecidas.  Antes de sairem a Fátima nos reuniu (eu, ela, a Adriana, a Francine e a Ju) e fizemos uma Roda de Amor. Nos abraçamos, cada uma colocou o seu desejo e rezamos/oramos/meditamos. Cada uma com sua crença, cada uma com seu DEUS interior. Foi lindo!
Como “perdi” as amigas de quarto, a Francine me convidou para ficar no quarto dela. Gostei da idéia porque dormir sem luz sozinha não ia rolar. Ela prometeu que ia segurar a minha mão e me levar ao banheiro de madrugada quando eu quisesse fazer xixi. Pois é... sou muito medrosa.
No Sábado fomos até Nova Friburgo para tentar falar com nossos familiares. Apesar de eu ter mandado meu telefone por umas 10 pessoas que tinham ido embora, eu precisava saber notícias de Laura, de Diego e achava que eles precisavam ouvir minha voz.
O caminho até Nova Friburgo foi angustiante. Dava para ter uma noção da dimensão da tragédia. No caminho era visível o rastro de destruição e tristeza que a tempestade deixou. Parecia aquelas cenas que a gente geralmente vê na televisão depois de um tornado, ou depois daquele Tsunami. Mas ao vivo era muito mais doloroso. Ver crianças descalças andando na lama, casais vasculhando escombros em busca de pertences ou documentos, pessoas chorando sentadas nas calçadas, praticamente invisíveis no meio de máquinas, tratores, bombeiros, e milhares de voluntários e curiosos.
Chegando na cidade, alguns celulares começaram a pegar sinal. Como meu querido celular tinha acabado a bateria na noite da catástrofe, eu tive que esperar alguém liberar o telefone e me emprestar. Liguei primeiro para Diego e chamou, chamou... nada. Lembrei que era hora do treino dele e liguei para a casa da minha sogra. A avó de Diego, Dona Magali, atendeu e quando eu disse quem era ela começou a gritar: “É FERNANDA!! É FERNANDA!! GRAÇAS A DEUS!!!! GRAÇAS A DEUS!!” Fiquei muito emocionada e logo a minha sogra atendeu. Ela disse q todos estavam muito preocupados, porque a televisão estava mostrando toda a catástrofe, que era a maior tragédia do Brasil, e que Diego nem estava treinando direito, etc. Perguntei como estava Laura e Diego. Ela disse que estavam bem e eu fiquei muito mais aliviada. Eu disse que no SPA estava tudo ótimo, que eu estava segura e só iria descer quando a estrada estivesse liberada no Domingo para tentar concluir o programa.
Logo em seguida liguei para a casa da minha mãe. Como ninguém atendeu, liguei para o celular da minha irmã esperando que ela gritasse de felicidade como a Dona Magali. Qual não foi a minha surpresa quando a minha irmã falou: e aí, Fernanda? Tranquilo?? Já emagreceu quanto???
PUTAQUIOPARIU!!! Fiquei arrasada!! Eu no meio de um turbilhão e minha irmã preocupada com meu peso!!! Tipo: se for soterrada, não coma muita areia para não engordar, hein??
Eu mereço!!!
Desci no Domingo, sã, salva e 3 quilos mais magra. Eu e os últimos moicanos do SPA. Tivemos uma formatura e tudo. Meu diploma estava escrito: "Fernanda, parabéns por concluir a semana de 9 a 16/01 no SPA MARIA BONITA sem subir pelas paredes nem morder ninguém. "
Eu acrescentaria muito mais...

Agradeço aqui a todos os companheiros, amigos, irmãos que fiz nessa semana nada normal que passamos no SPA. A todos os funcionários que deixaram suas dores pessoais de lado para continuar a cuidar da gente com a mesma dedicação de sempre. Aos garçons, cozinheiros, terapeutas, enfermeiros, recepcionistas, monitores... cada um com o seu papel desempenhado mais do que perfeitamente mesmo tendo que assumir outras funções  para dar conta de não nos deixar faltar nada, nem mesmo diversão. Em especial agradeço ao Coelho e a sua esposa Andrea, por me ensinarem a ser criança novamente, a jogar taco, brincar de guerra de mamona, e por me fazerem rir muito, até gargalhar. Agradeço ao indiano Keshav que me mostrou, mesmo sem querer,  que a vida e a morte podem ser encaradas com mais suavidade, desde que tenhamos a nossa consciência limpa e serenidade no coração. RELAX AND BREATH. Agradeço a minhas amigas-irmãs de quarto, Fátima e Adriana, por terem me acolhido como caçula, cuidado de mim, me ensinado coisas sobre a vida e principalnente sobre a minha espiritualidade. Agradeço a querida Francine por ter me acolhido em seu quarto e ter sido uma grande companheira até o fim. Agradeço ao Zé, por ter me ensinado a fazer Suco de Luz e a falar com árvores. E agradeço principalmente a Deus, por nos deixar vivos para testemunhar tudo o que vivemos naquele lugar. Vivos, mas não ilesos, pois tenho certeza de que as marcas que ficaram no meu coração nunca mais serão apagadas. Graças a DEUS!

2 comentários:

  1. Tenha certeza de q sou da turma da D. Magali. Bjs

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  2. Só comecei a sofrer quando soube onde era seu SPA. Monnique lá da Disney clamava por notícias diariamente. Mas quando Diego disse o recado de uma colega de quarto só vinha a pergunta: Por que ela não desceu também?!
    Depois que Diego falou sobre sua ligação ainda ficava a pergunta: Por que ela não desce? Se a estrada está perigosa, como os outros desceram?
    Falei com sua mãe, que estava bem mais tranquila com sua ligação, mas também compartilhava da minha angústia.
    Somente quando você comentou sobre ser enfermeira voluntária e sobre estar vivendo um retiro espiritual conforme eu já havia comentado em um e-mail muito antes, foi que tudo se acalmou dentro de mim e soube que você estava no lugar em que Deus queria que você estivesse.
    Lembrei do livro que compartilhei com você e do filme de mesmo nome que assistimos juntas: Viver, rezar e amar. Acho que você fez tudo isso em um único lugar, diferente da protagonista que passou por três países diferentes.

    Parabéns pela linda redação do blog.

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