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terça-feira, 18 de janeiro de 2011

SPA MARIA BONITA! Quarto dia - A catástrofe

Quarto dia – A catástrofe

A noite de Terça-feira parecia normal. Fui dormir por volta de 23:00 com as minhas amigas de quarto. Ficamos conversando até dormir. Uma chuvinha fina caia lá fora... por volta de 2 horas da manhã acordamos assustadas com o barulho dos trovões. Era muito alto! Quase ensurdecedor. A Adriana disse q morria de medo de trovão. Segurei na mão dela e tentei acalmá-la, mas a verdade é que eu tb tenho pavor de trovão. Tentei  lembrar uma oração que a minha mãe fazia quando eu era pequena e que, segundo ela, afastava a tempestade. Só conseguia lembrar de umas poucas frases: “...da sepa nasce a rama, da rama nasce a flor, da flor nasce Maria, mãe do nosso Redentor.” Fiquei repetindo isso como um mantra. Resolvemos ir ao banheiro e ao tentar acender a luz percebemos que não tinha luz! Ficamos em pânico. Não dava para enxergar um palmo a nossa frente. Só escuridão... tentei acender meu celular e nada... não ligava! Isso era a hora de acabar a bateria?? A sorte é que a Fá tinha um celular perto e conseguimos achar a vela com o fósforo que o hotel já deixa no quarto (provavelmente a falta de luz aqui é constante).  Fomos ao banheiro, as três juntas porque nenhuma queria ficar sozinha. E o barulho continuava...
Uma vez alguém me ensinou a contar os segundos entre o raio e o trovão.  Verificando agora na Wikipedia vi que a informação procede: “multiplicando 343 pelo número de segundos de diferença entre o raio e o trovão obtém-se a distância da trovoada em metros, ou seja, se a diferença de tempo entre raio e trovão for de 3 segundos (3×343 = 1.029 metros). A distancia entre você a trovoada é de aproximadamente 1 km de distância.
A verdade é que naquele momento não tinha diferença entre raio e trovoada. Vinha o clarão junto com o barulho. Não passei essa informaçao para a Adriana, mas eu tinha certeza de que estávamos literalmente no meio de uma tempestade assustadora.  Nem sei como conseguimos voltar a dormir, ou cochilar, mas acordei de novo com a Fá tendo um pesadelo. Ela gritava: “Pare com esse tambor! Pára! De onde está vindo esse tambor??” . Mas a gente não estava ouvindo nada... imaginei que ela se referia aos barulhos de trovão e voltei a dormir.
Acordei em torno de 9:00. As meninas já tinham levantado. Fiquei assustada. Mudei a roupa correndo e subi para encontrá-las. Todos estavam tomando o desjejum e comentando sobre a tempestade. Veio a notícia de que aconteceram alguns desabamentos e haviam algumas famílias soterradas. A tristeza planava no ar... muitos empregados não tinham notícias de suas famílias. Outros ainda não tinham chegado para trabalhar. Medo... Além disso estávamos sem luz, sem telefone e com pouca água. Parece que durante a noite alguns postes e torres de telefonia haviam caído e não tinha previsão da volta da luz nem da comunicação. Nenhuma operadora funcionava. A situação parecia pior do que imaginávamos.
Comecei a ficar tensa por não ter notícias de Laura. Não sabia se a tempestade tinha atingido só a Região Serrana ou a todo o Rio de Janeiro. Laura estava na casa da minha mãe, no Pita  e lá é perto de morro né? Comecei a entrar em pânico. O Zé (terapeuta) viu a minha ansiedade e de outras pessoas e, como bom maluco beleza que é, me deu a idéia de mandar recado por uma árvore (!?).  Segundo ele as árvores são muito sensíveis e capazes de transmitir um recado em qualquer lugar do mundo. É só você chegar perto dela, fazer uma prece e perguntar se pode mandar um recado por ela. Aí vc fecha os olhos e relaxa. Se você tombar para a frente ela deixou. Se tombar para trás ela não deixou. Ele avisou também que as árvores podiam recusar porque estavam muito magoadas com a grande tragédia e muitas mortes de suas irmãs. Papo de louco né? Mas não preciso nem dizer que fui imediatamente procurar uma árvore para enviar meu recado... Eu, a Fá e a Adriana.
Recado dado, nós três fizemos uma oração. A Fá estava muito aflita. Ela é muito sensitiva e estava sentindo no ar o sofrimento das pessoas. Quando a Adriana comentou com ela sobre os tambores q ela ouviu na noite anterior, ela demorou a lembrar... e ainda disse: “Nossa, que estranho. Porque exatamente aqui onde estamos agora (a horta do Zé) era uma oca indígena há uns anos atrás... ” Sinistro...
Quando voltamos para a sede, a Adriana, que é fotógrafa, achou que deveria ir até a cidade fotografar os acontecimentos. Eu dei força porque como boa Arquivista sei o valor da informação para a tomada de providências. Como a cidade estava fechada por barreiras, de repente ninguém sabia ainda o que estava acontecendo na cidade. Outra amiga nossa, a Francine, se ofereceu para ir junto. A Fá, ofereceu o carro dela e as duas foram logo após o almoço.
Eu e a Fá resolvemos continuar a rezar. Como ela é budista, ficou fazendo a sua meditação enquanto eu rezava o Terço da Misericórdia. Logo depois, o Coelho, monitor das crianças, nos convidou para uma caminhada para relaxar. Fomos por dentro dos terrenos da sede até o alto do morro. Subimos muito por dentro do mato e lá de cima pudemos constatar parte da catástrofe. Fendas tinham sido abertas no meio das montanhas onde antes havia apenas vegetação.  De longe víamos muitos buracos laranja/avermelhado sinalizando as quedas de barreiras. Ficamos horas meditando/rezando e conversando. O Coelho nunca terá noção do quanto nos fortaleceu naquele dia com o simples gesto de nos levar para caminhar.  
Assim que descemos, a Francine e a Adriana estavam lá embaixo. Elas disseram q a situação estava muito braba, que muitos feridos estavam chegando e as únicas médicas que tinham lá eram as 2 que estavam hospedadas no SPA. Uma pediatra e uma anestesista.  Faltavam medicamentos e roupas para os desabrigados.  Prontamente fomos até nossas malas e doamos o q podíamos. Doamos também medicamentos que tinhamos na bolsa. Anestésicos, calmantes, band-aid, merthiolate... qualquer coisa era útil.
A Adriana disse ainda que o bombeiro pediu que ela embarcasse no helicóptero para levar as fotos para a cidade. Só com aquelas informações o resgate para os feridos iria chegar mais depressa. Com isso a Fá decidiu levá-las até o “Posto de Saúde” e eu decidi ir junto. A Fá me prometeu que não iríamos descer do carro. 
      Quando coloco "Posto de Saúde" entre aspas, é porque o Posto era na verdade uma creche que foi adaptada na emergência da situação para abrigar os feridos. 
Eu NUNCA vou me esquecer das cenas que vi a partir deste momento. Parecia que estava entrando num filme de guerra. Pessoas correndo pela rua, sujas de lama, descalças, crianças chorando, famílias sem rumo, carros desgovernados indo resgatar vítimas... um verdadeiro caos. Paramos no posto de saúde e o Zé logo veio ao nosso encontro. Ele perguntou se queríamos ajudar e respondemos que não sabíamos fazer nada. Ele disse: “Então venham e rezem.  Segurem nas mãos das pessoas, consolem, digam palavras de conforto, cuidem das crianças, e rezem!” Eu descobri naquele momento o poder da oração. Isso eu podia fazer. E Deus estava me preparando durante todo o dia para aquele momento...
Dentro do posto, muitos feridos. A cada minuto chegavam carros da população trazendo pessoas cobertas de terra. Logo limpávamos e a médica (abençoada) dava a devida atenção e cuidado. Eram feridas de vários tamanhos, pessoas em choque, muitas fraturas, muitos senhores de idade avançada... tinha um senhor de 78 anos que estava com o Fêmur fraturado mas ele estava tranquilo, calmo, uma lição de vida. Outro falava alto que queria morrer pois tinha perdido tudo. E ainda um outro que gritava que tinha UNIMED. Infelizmente isso não importava naquele momento.
Preciso também dizer que dentro do posto de saúde tinham muitos anjos.  Não anjos de asas que imaginamos ficarem no céu tocando harpas, mas anjos terrestres. Pessoas voluntárias que faziam o que podiam pelo próximo. Viravam enfermeiros, médicos, religiosos, psicólogos, resgatavam feridos e, em alguns casos, corpos em seus carros. Abdicavam de serem cuidados para cuidar do próximo. Muitos que estavam ali ajudando tinham perdido suas casas, seus parentes, seus familiares, mas ainda tinham força para agir em prol da comunidade como um todo. O individualismo ali nao existia. 
Vi uma senhora pedir um calmante porque estava trabalhando lavando corpos o dia inteiro e não parava de chegar gente conhecida...  imagina a dor dessa mulher!
Vi o indiano que trabalha como terapeuta e massagista no SPA com lama até o peito porque tinha andado 2km mata a dentro para resgatar vidas. Ele estava com um sorriso tão sereno no rosto que fiquei admirada.
Lições de vida! Lições que eu espero nunca mais esquecer. Lições que eu espero nunca mais viver.
Deixamos o posto de saúde por volta das 22:30, não sem antes passarmos para ver os desabrigados nas escolas e (alguns) verem os corpos em outro colégio. Eu não quis. Fiquei na porta rezando pela misericórdia das almas. Essa foi a minha parte.
O dia terminou com um delicioso prato de sopa de lentilha que mais parecia um afago na alma. Mais uma vez rezamos para que todos os desabrigados tivessem esse afago. 
Comer já não era a nossa prioridade... 

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